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26 março, 2009

Olhos nos Olhos - Chico Buarque

[não te quero trazer para os poemas sem antes me teres escrito as mãos
com todas as letras da tua casa; não é por prudência, é por receio de partires
e arrastares o pano de todos os versos e ficar a desolação desta mesa, limpa,
a brilhar numa solidão ainda maior que quebre as veias de luz
num copo de água intocada, esquecida; e, ao lado, a boca seca pousada
sobre a mão, um livro de espuma, uma pétala de loucura sem esplendor.
por isso cortei os cabelos com uma tesoura de gelo antes da primavera,
sentei-me no parapeito da tua vertigem e ouvi a paisagem nos teus dedos,
apontaste para a torre de electricidade e vimos como um pássaro se iluminou
no espaço de céu onde antes a minha trança complicaria a nossa febre.
descemos para os teus braços à espera de descobrir como se apaga
a árvore da tristeza no quintal da madrugada, à roda pelas nossas casas.]

- o cicio de salomé