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14 julho, 2010

A Justiça no Nosso País


Brasília, 11 de setembro de 1973

Tarefas: acordar, levar a Pérsia no colégio, ir pro cursinho, estudar, estudar e estudar.
Sempre acordo muito cedo pra levar a minha irmã para a escola, ela estuda no Colégio Madre Carmem Sallés, todo dia um atraso, uma correria, porque sabem, quem quer passar na UnB é preciso estudar bastante, falando nisso, eu faço cursinho Laser Vestibulares, fica logo ali na Asa Sul. Pérsia sempre atrasa, mas hoje teve algo de diferente, ela se arrumou rapidamente, cheguei aqui no cursinho cedo e sentei bem em frente, ainda bem que já está na hora de ir embora. Preciso buscar minha irmã, almoçar e depois ir pra biblioteca estudar.
Nossa, quanto barulho aqui!
- Pérsia, vamos embora, o que está havendo?!
- Eu não sei direito, mas a irmãzinha disse que Ana sumiu, estão todos aflitos procurando por ela.
- Aquela sua amiguinha que brinca com você, certo. Olha aqui Pérsia, presta atenção, não sai da escola se não for comigo!
- Mas ela saiu com o irmão dela, eu não entendi.
- Vamos embora!!!
Ao chegar em casa almoço e vou pra biblioteca, não há tempo para distração. Preciso estudar! Chego em casa lá pelas 20hs. Acho muito perigoso andar por aqui, ainda mais a noite, ainda é tudo meio deserto, nunca se sabe o que pode acontecer.
- Nossa!! Quando barulho!
- Senhorita, você me dizer o que está acontecendo?!
- Você mora nesse prédio?!
- Não, moro ao lado, o que está havendo? Tantas viaturas, tantas sirenes, o que houve?
- Bom, uma criança desapareceu desde cedo e estão em busca dela. Ela foi tirada da escola por uma pessoa e não sabe quem. A única coisa que se sabe é que ligaram pedindo dois milhões de cruzeiro pelo resgate da garota.
- Mas que horror! Quem faria isso?
- Não se sabe, mas esperamos que isso tudo termine logo, é criança de 7 anos.
Ao subir no meu prédio vejo muitas famílias curiosas e ansiosas com o desaparecimento da garota.
- Oi mãe, oi pai. Porque a Pérsia está chorando
- Minha filha, algo terrível aconteceu. A amiguinha dela, a Ana, foi seqüestrada hoje cedo e acabamos de ver nos jornais que foi encontrado um estojo de lápis em frente ao quartel. Algo terrível aconteceu a esta menina e só Deus sabe quem fez!
- Meu Deus, que horror. Por isso aquelas viaturas estão ali embaixo, foi a Ana, coitada.
- O irmão dela, o Álvaro, é suspeito de ter pego ela na escola.
- Álvaro? Ele faz cursinho comigo, e por coincidência ele não foi à aula hoje.
Ao ver o noticiário se via o quanto isso estava chocando a polícia e o Distrito Federal. Pérsia não parava de chorar, claro! Sua amiga de escola, de prédio, de tudo, desapareceu!


Brasília, 12 de setembro de 1973

O noticiário diz que as buscas por Ana continuam. Todos, exatamente todos que moram por aqui estão muito desconfiados. Minha mãe por exemplo, não deixou nem eu e nem a Pérsia ir a escola. E as mães da cidade também não, e deu até no jornal que as pessoas estão desesperadas. O irmão de Ana foi depor e um cara, que faz tráfico de drogas também foi depor. Pérsia aparenta estar um pouco mais calma, mas sua face triste mostra que está preocupada.
Dentre as pessoas que são suspeitas e envolvidas está: Álvaro Henrique Braga, que no caso é irmão de Ana e Gilma Dely Varella de Albuquerque, namorada de Álvaro, Raimundo Lacerda Duque, traficante de drogas em Brasília, Eduardo Ribeiro Rezende, filho do vice-líder da Arena no Senador, Alfredo Buzaid Júnior, filho do ministro da Justiça e Fernando Collor de Mello, filho do Senado, Arnon de Mello.
Plantão da Rede Globo: O corpo de Ana Lídia Braga foi encontrado próximo ao Centro Olímpico da Universidade de Brasília. Ela foi violentada, asfixiada, cortado os cabelos irregularmente e morta.





Brasília, 13 de Julho de 2010

O caso Ana Lídia nunca foi apurado por todo, pois ocorreu
alguns erros de investigação, entre eles: (1) não foram feitas diligências em farmácias para tentar descobrir onde os suspeitos teriam comprado camisinha; (2) o retrato falado do criminoso, Duque, não foi anexado ao processo; (3) o esperma encontrado na vítima e em duas camisinhas no local do crime ficou 15 dias no Instituto de Medicina Legal e não foi comparado com os de Duque e Álvaro; (4) o Ministério da Justiça proibiu a Polícia Federal de investigar a relação do crime com o tráfico de drogas; (5) as marcas de pneu de moto não foram coletadas, por molde de gesso, e nem comparadas com a Yamaha de Álvaro.


° Álvaro Henrique Braga hoje é médico Angiologista no Rio de Janeiro.
° Dely Varella de Albuquerque é funcionária pública no Distrito Federal.
° Raimundo Lacerda Duque, aposentado pela Dasp e vive em Anápolis, Goiás.
° Eduardo Ribeiro Rezende, foi encontrado morto com um tiro no ouvido, em 1990, aos 40 anos, em seu apartamento no centro de Vitória (ES).
° Alfredo Buzaid Júnior, Buzaidinho, como era conhecido, piloto em provas automobilísticas, morreu quando voltava de uma dessas provas num acidente considerado suspeito em 1975 fora forjada e existem testemunhas de que estaria vivo em 1985.
° Fernando Collor de Mello, não há evidências que Collor esteja envolvido no crime, porém, durante a campanha eleitoral de 1989, Collor foi acusado de ter participado do crime.

Em 11 de setembro de 1993, o crime de Ana Lídia prescreveu sem apontar nenhum culpado. Se o assassino se apresentar hoje não poderá mais ser preso. O Código Penal Brasileiro, artigo 109, inciso I, permite que o assassino fique livre depois de 20 anos do crime.
Mais um crime que a justiça, que de justiça não tem nada, nem de cega, nem de muda deixou mais uma vez escapar.